S. FRANCISCO E A IRMÃ MORTE
SOLENIDADE DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS (4 DE OUTUBRO)
Da liturgia da Missa Solene, Lecionário Franciscano, versão Portuguesa
A IRMÃ MORTE (São Boaventura, LM XIV, , 4- 6. FF. pp .711s )
“Estavam debulhados em lágrimas os companheiros do Santo, extremamente sensibilizados. Um deles, a quem ele chamava o seu guardião, adivinhou por inspiração divina os seus desejos: foi buscar um hábito, um cordão e umas bragas, e entregou-lhas com estas palavras: “Toma lá! Empresto-te isto, como pobre que és; recebe-o por santa obediência!” Cheio de alegria, louco de contentamento por ter sido fiel até ao fim à sua Senhora Pobreza, levanta as mãos ao céu para agradecer a Cristo este último dom: ir ter com Ele desembaraçado de tudo, livre, completamente livre! Até o hábito que levava era emprestado! Chegava a esse extremo o seu zelo pela pobreza.
Quis assemelhar-se o mais possível ao Cristo crucificado, que esteve pendente na Cruz, pobre, atormentado e nu. Por isso se despiu diante do Bispo no início da sua conversão, e agora, prestes a morrer, queria sair deste mundo igualmente nu. Aos Irmãos que o assistiam pediu por caridade – nem seria preciso nesse momento mandá-lo por obediência – que uma vez morto o seu corpo, o pusessem no chão, nu, e o deixassem ficar assim durante um período de tempo suficiente para uma pessoa andar, de vagar, uns mil passos. Como poderia ser mais cristão quem exactissimamente quis viver como Cristo viveu, morrer como Cristo morreu, e até depois de morto ficar nu como Cristo? Um homem assim bem mereceu as honras da impressão no seu corpo desta perfeita semelhança.
A hora da partida aproximava-se. Mandou chamar para ao pé dele todos os irmãos que se encontravam no convento. Dirigiu-lhes algumas palavras de encorajamento para lhes mitigar a dor que sentiam pela sua morte. Exortou-os com paternal afecto ao amor de Deus. Acrescentou ainda algumas considerações sobre a paciência, a pobreza, a fidelidade à Santa Igreja de Roma; recomendou-lhes a observância do Evangelho como mais que quaisquer outras leis.
Finalmente, sobre todos os Irmãos que o rodeavam estendeu os braços entrecruzados, num gesto que era tanto do seu agrado, e em nome e pelo poder do Crucificado os abençoou a todos, tanto presentes como ausentes.
E acrescentou: “Adeus, meus filhos! Permanecei sempre no temor do Senhor! Hão-de sobrevir tentações e não hão-de tardar tribulações: ditosos os que perseverarem no propósito que tomaram. Eu agora vou para Deus; confio-vos à Sua graça”.
Concluída está tão terna exortação, mandou trazer o livro dos Evangelhos e pediu que lhe lessem aquele trecho do Evangelho de S. João que começa assim: “Antes da festa da Páscoa…”. Depois recitou como pôde o salmo: Em alta voz clamo ao Senhor, em alta voz imploro ao Senhor… levou-o até ao fim: Os justos me esperam até ao momento em que me darás a recompensa.
Enfim, realizados nele todos os desígnios de Deus, a sua alma santíssima desprendeu-se da carne para ser absorvida no abismo da claridade divina: o Santo adormeceu no Senhor.”
Para louvor de Cristo. Amen!
SEQUÊNCIA SOLENE (Proclamada antes do Evangelho)
Eis os novos sinais da santidade
Que se revelam, dignos de louvor!
Miríficos sinais de bem querer
No humilde São Francisco acreditados.
Aos professos da nova é humilde grei.
Outorga-se o direito da lei nova.
Os preceitos do Rei são renovados;
Transmitidos do céu por São Francisco.
Nova vida! Ordem nova que alvorece!
Uma regra inaudita neste mundo!
Lei sagrada que vem restaurar
O estado do Evangelho sacrossanto.
Reforma-se a aspereza do direito
Por feição semelhante à lei de Cristo.
E as normas dessa regra se alevantam
Ao fastígio primeiro dos apóstolos.
Ele veste um burel sem pretensões;
Uma corda grosseira por cintura.
O pão só por medida se permite;
E nega-se o conforto do calçado.
Descuida-se de tudo o que é terreno;
De tudo São Francisco se despoja.
Despreza as previdências do pecúlio;
A pobreza deseja tão somente.
Procura a solidão para chorar;
De coração amargo solta vozes.
Triste, lastima o tempo tão querido,
Desperdiçado outrora lá no século.
Retirado numa antro da montanha,
No chão prostrado, humilde, reza e chora.
Por fim, com seu espírito sereno,
Detém-se como peso em doce ergástulo.
A coberto somente dos rochedos
Medita, arrebatado nas alturas…
Recto juiz, despreza o que é do mundo
E prefere-lhe as coisas lá do céu.
Na mortificação refreia a carne
Cujo aspecto transforma e transfigura.
A Escritura Sagrada é o seu sustento.
De tudo o que é terreno se desfaz.
Um certo dia lá vem das alturas
Hierática figura de Varão.
Visão do soberano e grande Rei
Que ao Santo Patriarca aterroriza.
Traz em si os sinais do Bom Jesus
E imprime-lhe essas chagas sacrossantas
Enquanto ele medita na Paixão
Com seu coração triste, emudecido…
Assinalado fica o Santo corpo…
Ferido nos seus pés e suas mãos.
O seu lado direito trespassado…
E assim todo escorrendo o próprio sangue!
Preferem-se palavras de mistério
E revelam-se coisas do futuro.
O Santo compreende o que lhe é dito
Por mística e sagrada inspiração.
Logo aparecem cravos admiráveis.
Por fora, negros; dentro, cor rosa.
Dor pungente que fere cruelmente,
Atrozes grilhões que supliciam…
Não entrou instrumento de arte alguma
Para as chagas abrir naqueles membros.
Não foi a natureza que os feriu
Nem tão pouco o martelo torturante.
– PELOS SINAIS da Cruz que em ti trouxeste
Com os quais triunfaste deste mundo
E superaste a carne tão hostil
Em ilustre e tão ínclita vitória.
Desvela-te por nós, Pai São Francisco!
Protege-nos em toda a adversidade
A fim de que possamos ir gozar
Lá na glória celeste a recompensa.
Nosso bondoso Pai, nosso Pai Santo!
Por tua ajuda, o povo teu devoto,
Unido com a turba dos irmãos,
Possa alcançar o prémio celestial.
Oh! Faze companheiros dos eleitos
A todos os que inspiras na virtude.
Consiga o teu rebanho de Menores
O gozo sempiterno lá nos céus.
Amen!
Frei Albertino Rodrigues OFM
Assistente da Fraternidade